... e encontro poemas horrivelmente mutilados, poemas abortados, poemas que não conseguiram alcançar a luz, a forma final. Passo as páginas devagar, envergonhada de mim mesma, da minha incapacidade para com aqueles amontoados de palavras. São despojos antigos. Uns de vinte anos atrás. Outros mais recentes. Todos mortos. Meu primeiro pensamento é o de me livrar daquilo. Mas nunca desisto de um poema, eis minha fraqueza, minha fortaleza. Depois penso que devo avisar meus filhos para nunca pensar em publicar esses rascunhos caso um dia venha a faltar-lhes. É uma boa precaução. E, por último, revejo um poema, pego lápis, me ponho a reescrevê-lo. É um velho hábito. Rabisco. Reescrevo. Comparo. Risco. Mordo os lábios. Tento. Mais uma vez, tudo outra vez. E vou recuperando letra por letra o jeito de dançar que havia perdido, recupero a música, recupero aquele que parecia morto e daquele calhamaço, enfim, surge um poema. A palavra nova, restaurada.
Por isso não jogo nada fora. Porque não é a palavra que fracassa. No mais das vezes sou eu que em dado momento não soube descobrir seu brilho.
Um comentário:
Já joguei muito poema fora, já queimei muito poema. É sempre assim, quando resolvo revisitar textos de outras épocas, outras fases. Por ter havido certa evolução de lá pra cá, acabo achando os de lá bem ruins, bem falsos, bem falsamente concebidos. Por outro lado já salvei muito poema que julguei perdido. Quando não o salvo quase por inteiro, alterando coisa aqui e ali, salvo um verso, um mote... e reescrevo, tomando às vezes rumo bem distinto.
Postar um comentário