19 março, 2007

De Tereza e sua Morte

E, finalmente, volto com tudo ao meu romance. O título é provisório (De Tereza e sua Morte) e trata do suicídio (entre outras coisas). Estou mergulhada nesse tema ao mesmo tempo fascinante e espinhoso e imersa em Durkheim ( O Suicídio), no Dicionário de Suicidas Ilustres (J. Toledo, Record) e em um estudo de bilhetes de suicidas, só pra começar (ou re-começar).

De aperitivo para os leitores do Ovelha Pop, um trecho (rascunho mesmo) retirado de meados do primeiro capítulo:

Essa história começa quase como um sonho, pois foi como um sonho ruim que a Mãe a descobriu na sala como um canteiro de flores no primeiro dia de uma primavera terrível. Ao abrir a porta, a mulher deparou-se com uma grande rosa que, fervendo num jorro, abria pétalas de um vermelho violento que se espalhava nos vãos do piso, se esvaindo por um chão que para sempre seria lavado e relavado, e ainda lavado e relavado, mas que nunca deixaria de exibir esse contorno de flor, esse sinal. A fragrância doce e suave que as rosas arrancam da terra é feita de sangue, saibam. Sangue de gente, sangue de animais, sangue dos deuses. E, talvez por isso, a Mãe tenha sentido como nauseante o perfume que pairava sob o corpo estendido e saqueado da filha morta. Até aquele momento aquela mulher não sabia, embora desconfiasse, que nenhuma visão pode ser mais terrível que a imagem crua de um filho morto. Não sabia ela que nenhum outro fato pode colocar nossa humanidade mais em risco de iminente dissolução, mergulho no nada sem volta, que a menor miragem, o remoto vislumbre dessa possibilidade. Qual outro abismo que se possa nomear não caiu naquele instante a Mãe? Ela, que fora tão única, se igualava agora a todas essas que andam por aí a carregar pelas praças, em pesados estandartes, as fotografias dos filhos extraviados. Ela que fora tão única, agora era coletiva, um padrão de Escher repetindo em si mesma e representando junto com as outras os gestos de um antigo mármore que se tornou célebre por encarnar, sim encarnar, tomar para si as dores, fisgadas, pulsações da carne, a dor e piedade de uma outra mãe ante o corpo machucado e sem vida do seu menino.

Só mesmo um Deus de invenção para não tremer e morrer sem estar morto perante a triste figura de sua criança despedaçada.

E assim, morta sem estar morta, sentia a mãe, ao gritar de dentro do vácuo em que estava, Tereza! Ela, mármore transfigurado, agarrou-se a filha com braços de pedra, cabelos de pedra, com um corpo pesado e polido de pedra e lágrima, um corpo pálido e brilhante de pérola, saído de dentro de um grande bloco bruto de mármore. Queria sair gritando pelo mundo afora, carregando nos braços seu jesus, esta menina morta , mas não podia, não conseguia, carne de pedra plantada em todo o seu peso no duro chão. Ela gritava repetidamente o nome da filha e todos que escutaram o substantivo assim golpeado, souberam prontamente que Tereza se fora. Acudiram o Pai e a Irmã pequena e a dor enfim revelava que não era mesmo um sonho ruim, como aquele que o pai tivera na noite anterior. Ele sonhara que, sem nada poder fazer para evitar, um jovem despencava de uma torre de altura inacreditável. Ao se aproximar do jovem caído, chamavam sua atenção as mãos, muito brancas e finas, quebradas, estraçalhadas. Vendo agora na filha um corpo sem sopro de vida, de boneca desconjuntada, percebia que as mãos do moço do seu sonho não eram outras e a dor se avolumou porque o pressentimento, ou o que quer que significasse aquele sonho, não tivera serventia alguma e de novo estava ele no alto da torre, impotente, sem ter como sustentar com braço firme alguém que se precipitava num abismo insondável.

2 comentários:

Anônimo disse...

so quem passa por isso sabe... perdi uma amiga assim, e nao desejo isso p/ ninguem, eh um sentimento de culpa, misturado com raiva e angustia... fica tudo parado no tempo, meio inacabado. ai, voce comeca a questionar o porque das coisas, pq de deus, pq da religiao (minha era judaismo), pq do destino? so que nunca encontra respostas...

Renata Amaral disse...

Mi, que texto porrada no estômago. Duro. Belo. Se é um rascunho, quero ver o final.

beijos