Há algumas posições a se tomar diante do mundo em ruínas que o capitalismo oferece. Elenco, aqui, algumas delas. É possível aderir a esse projeto se colocando a serviço do mesmo incondicionalmente e sem acreditar na possibilidade ou na viabilidade de alguma alternativa. Naturalizar o capitalismo, mesmo tendo no horizonte os efeitos catastróficos em termos pessoais, coletivos e ambientais, parece ser a melhor militância nesses casos. Uma outra possibilidade de adesão é o conformismo, atitude passiva e romântica de quem percebe os estragos que a modernidade nos legou, mas que não se sente instigado a resistir minimamente que seja. Trata-se de interiorizar o capitalismo, se adequando aos seus efeitos. Uma terceira possibilidade é resistir. E aqui há duas formas de resistência: a revolução que parte em busca de alternativas que confrontem o capitalismo à força, e a revolução que pretende fissurar, no cotidiano, os valores devastadores dessa realidade.
O fato é que o mundo e a vida estão imersos nessa máquina de aniquilações. Somos triturados diariamente nas suas engrenagens. O drama dos refugiados, de quaisquer refugiados, o drama das minorias, sejam elas quais forem, pertence a todos nós. O homem que toma remédios para conseguir dormir somos nós. A criança indígena assassinada no colo da mãe somos nós. Os adolescentes perturbados que dizimam professores e colegas nas escolas também somos nós. Somo nós não por força de uma hashtag apenas, mas porque sentimos o efeito de cada uma dessas tragédias por minimamente conectados que estejamos. O mundo humano está profundamente adoecido e sua doença se espalha ferozmente pelo planeta, seu ecossistema, suas relações. Walter Benjamin alegorizou de maneira inestimável essa tragédia:
"Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e a dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade (...) o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto um amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é chamada de progresso" (1).
Creio que o mundo é criado pela linguagem. Pela palavra. É basicamente uma crença judaico-cristã, eu sei. Mas, assim crendo, dou como certa a ideia de que é pela linguagem que o real se estabelece. Escrevo poesia porque é inaceitável este mundo legado pela máquina de aniquilações. Escrevo poesia porque resisto e a resistência é própria do movimento das células. Mas isso não é um idealismo, no sentido comum que se dá à palavra "ideal", de devaneio, de inalcançável utopia. É uma visão concreta de mundo, que talvez não pareça eficaz como a força revolucionária que pega em armas (mas que historicamente não pareceu capaz de se contrapor de forma medular ao capitalismo), mas que pretende construir aqui e agora as condições para um novo estado de coisas. É por isso que escrevo poesia. Porque esse mundo que se apresenta não é o bastante e ainda se conforma a uma pauta simultaneamente suicida e assassina. Porque acredito que seja possível o acesso a outra imaginação, a outra criação e possibilidade de vida. É por isso, portanto, que escrevo. E me parece bom que seja assim.
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(1) Sobre o Conceito da História. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras escolhidas. Volume 1. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
imagem | Daria Pugacheva
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