09 novembro, 2009

Galiléia

Confesso que li o romance de Ronaldo Correia de Brito motivada pelo prêmio que ganhou. Já o conhecia de outras narrativas, O Baile do Menino Deus e alguns contos em suplementos pernambucanos, por exemplo. No fim, a motivação pouco interessa porque o importante é que li e achei o livro fantástico.

A tensão entre o sertão arcaico e a contemporaneidade se revela numa viagem que três homens fazem para acompanhar a partida do patriarca da família, Raimundo Caetano. Eles devem chegar à Galiléia, a fazenda do avô, o local da infância, o baú de conflitos, uma terra prometida sem rios de leite e mel que guarda segredos de traições, mentiras, assassinatos, incestos, e outras misérias humanas.

A narrativa, em primeira pessoa, é feita por Adonias, médico residente em Recife, personagem angustiado, oscilante entre seus desejos e os sentimentos de fracasso de uma personalidade depressiva. Os primos que o acompanham são Ismael, neto bastardo de Raimundo Caetano, descendente dos índios Kanela, e Davi, músico erudito, meio-irmão de Ismael, sobre quem paira um terrível (e surpreendente) segredo familiar.

Os três sabem do mundo além das fronteiras da Galiléia. O mundo tecnológico e polifônico em que vivemos cruza-se com o sertão dos Inhamuns, no Ceará, com a Grécia Antiga, com o Existencialismo de Camus, o pessimismo de Cioran, a batida do Radiohead.

A Galiléia sabe de si mesma, de sua genealogia, de sua monumentalidade bíblica.

À carne de Raimundo Caetano se decompondo e empesteando o ar se juntam as imagens da infância perdida nas boléias de caminhão de postos de gasolina de beira de estrada.

A biblioteca do tio Salomão é uma metáfora para a morte auto-referente e suicida de um Nordeste preso à heráldicas, às apologias de si mesmo e de um pretenso passado glorioso.

Para usar uma linguagem banal, o livro é de tirar o fõlego. Crueza, homoerotismo, crítica social (sem panfletarismo) se agregamm num trabalho em que imagens e palavras se cruzam com precisão.

O capítulo final (que eu deveria dizer cena, já que o romance é um dos mais cinematográficos dos que li ultimamente) é impressionante. Apesar de me remeter ao menino Josué, perdido numa sala de ex-votos no filme Central do Brasil, me comove pelo que tem de suspense e suspensão.

Um romance mais que irrepreensível, necessário.

Um comentário:

Wilson Torres Nanini disse...

estou doido pra ler o livro, já muito bem indicado por diversas fontes.