01 outubro, 2009

Algumas palavras

Quando eu era criança eu achava que a palavra "danado" era uma espécie de superlativo. Não sabia nada a respeito das "danações" e da parte que essa palavra, supostamente, tem com o diabo.

Quem me ensinou isso foi meu avô paterno, no seu leito de morte. Eu tinha 13 anos.

Depois de uma semana chuvosa, cheguei à casa dele falando que lá fora fazia "um Sol danado de bonito".

Ele e algumas mulheres que esperavam pacientemente a morte chegar riram.

Eu quis saber o motivo.

Ele, homem rude, me explicou que o Sol era uma coisa de Deus. Mas a palavra "danado" referia-se ao diabo. Portanto, eram coisas que não podiam combinar na mesma frase. Como àgua e óleo. Como um paradoxo sem sentido.

Tudo simples, assim.

Foi a última vez em que eu vi o meu avô e seus olhos azuis que não deixou por herança a ninguém.

3 comentários:

Sidnei Olivio disse...

Acho fantástico esses "ensinamentos". Tb. busco na infância duas coisas: beijar o resto de pão, q a gente não conseguia mais engolir, antes de jogar (beijo = perdão?). Outra era dar um pedaço da "banana felipe" (sic), aquelas duas grudadas numa só (se livrar do pecado da gula?).
Aguardo seu novo livro. Ainda convivo com a Geografia Íntima do Deserto. Beijo.

Wilson Torres Nanini disse...

Meu avô paterno também tinha olhos azuis. Aos 12 anos levou um coice de uma égua no rosto, que lhe esculpiu uma cicatriz pra sempre. Era Policial Militar desde 1954. Sustentava a família de mulher e cinco filhas com um salário de fome, fazendo bico de vendedor de doces, nas horas de folga. Ensinou a todas as filhas datilografia, amor, sexo e política. Era um homem além de seu tempo. Ao verificar que as filhas já eram professoras graduadas, enveredou-se a beber, até 2003, quando uma cirose o levou. Terminou ai a minha infância, aos meus 23 anos. Só pude escrever: "De meu avô já morto,/restam no meu rosto/alinhavadas pausas,/uma cicatriz esculpida/pelas facas da sina..."

Wilson Torres Nanini disse...

leia-se "avô materno"...