03 julho, 2007

os sapatinhos diabólicos (ou sobre ser mulher)






The Red Shoes (1948), dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger, conta a história de Victoria Page, uma bailarina oscilante entre o amor à dança e o amor pelo regente e compositor Julian Craster. Estrela principal do ballet Os Sapatinhos Vermelhos, inspirado no trágico conto de Hans Christian Andersen, Victoria pode se tornar a melhor bailarina do mundo se renunciar à vida conforme deseja o produtor e dono da companhia para a qual trabalha, Boris Lermontov. Dois homens, a exigência da perfeição na arte e só uma escolha possível.

O conto de Andersen, conta a história de uma menina que tanto deseja os sapatos vermelhos que vê numa vitrine que, ao consegui-los, não pode mais descalçá-los, dançando até ficar à beira da morte por exaustão. Para livrar-se da maldição e do fim iminente ela pede que seus pés sejam cortados fora.

Mas, enfim, o que está em jogo nessa alegoria? A ambição em ter algo potencialmente destrutivo ou a impossibilidade de se ter tudo, amor e arte, prazer e ofício, vida e trabalho? Tanto no filme como no conto (e como na vida, creio) ainda não é dado à mulher a opção de possuir os sapatos vermelhos sem culpa e ameças de danação. Se trabalha fora e tem filhos pequenos, a legislação trabalhista ainda não conseguiu alcançar e proteger essa peculiaridade: "Que se vire nessa dança!". Se a arte lhe exige tempo, concentração e dedicação, maridos, namorados, família ou amigos queixosos de sua frieza e ambição, lhe apontarão o dedo em riste: "Que se vire nessa dança!". As revistas femininas ( e dia desses eu folheava uma) ainda ensinam a ser sexy, compreensiva, boa cozinheira, mãe presente, eficiente na carreira, tudo salpicado com uma boa pitada de submissão: "Que se vire nessa dança ou então que deixe que lhe decepem os pés!"

Acredito que toda mulher já se deparou com o dilema dos sapatinhos vermelhos. E se ainda não, em breve será. Eu também já me deparei e não uma única vez. Mas me recuso a tirá-los. Me recuso a ficar sem pés. Me recuso a deixar de ter prazer na vida. Me recuso a deixar de ser quem sou.Sei que às vezes isso pode doer tanto quanto andar sobre mil facas afiadas, como diria a Sereiazinha, outro personagem trágico de Andersen. E sigo com meus belos e diabólicos sapatinhos vermelhos, porque só assim sou poeta.

(Quanto ao filme, é lindo. A seqüência do ballet (cerca de 18 minutos) é uma das mais bonitas do cinema. Moira Shearer, bailarina escocesa, como protagonista é divina. A interpretação dos atores que se aproxima em muito do teatro e dos filmes do cinema mudo em seus gestuais soma uma certa qualidade de farsa à trama.Imperdível!)

créditos: frame do filme The Red Shoes

3 comentários:

Anônimo disse...

ser mulher deve doer um bocado. e ainda ter de agüentar os homens! paciência..., com ou sem sapatinhos vermelhos.

Edson Cruz disse...

Micheliny,
que texto maravilhoso. bote lá em nosso Cronópios...
abraço,

edson cruz

Rose Mary disse...

Que orgulho em ser sua AMIGA, grande beijo.