25 fevereiro, 2012

O luto, dia após dia

27 de outubro: Quem sabe? Talvez um pouco de ouro nestas notas?
                                                                                                         R.B.





Eu estava no escritório de Luis Rufatto, havia acabado de entrevistá-lo para uma revista e acompanhava a sessão de fotos. Meus olhos passeavam por suas estantes, pelos títulos dos livros. Tenho olhos míopes e potencialmente voyeurs. Voyeurs de estantes de livros, de janelas abertas nas casas coloridas do interior do Brasil, dos pequenos gestos dos desconhecidos nas ruas. Fato é que parei diante de um título e, folheando-o, comentei: Esse do Barthes eu não conhecia.

O título do livro ficou dançando na minha cabeça e uma tarde acompanhada do poeta Fábio Andrade, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, depois de conhecer, nos acasos de São Paulo,  em plena avenida Paulista, ao poeta e crítico Everardo Norões, o dito livro se circunscreveu entre os meus exemplares.

Mora ali agora, na cabeceira apinhada de títulos e o leio homeopaticamente desde então. Diário de Luto, de Roland Barthes, é um documento impressionante. Não é o livro acabado como o autor gostaria mas é, de forma bruta e brutal, impressionante relato de amor e de dor. Barthes começa a escrevê-lo um dia depois do falecimento de Henriette Binger, sua mãe. Cada dia, cada anotação revelam não sei dizer se o homem ou o menino devastado porque a dor e o desconsolo de Barthes é o de criança perdida. Não quero dizer com isso que ele, Barthes, seja infantil no que a palavra tem de pejorativo. Pelo contrário, ele é o “menino da sua mãe”, para usar a imagem de Pessoa num outro contexto.

Os escritos do luto de Barthes inspiraram o seu último livro  A Câmara Clara, e os volumes de suas aulas o “Neutro” e “A Preparação do Romance". De  fato, em  uma anotação do dia 5 de junho de 1978 ele diz que após a morte da mãe (mam, como ele a chama) sente uma nova necessidade de ser reconhecido e, completa: “Em certo sentido, também , é como se eu precisasse fazer reconhecer mam. Isto é o tema do monumento (...) E é certo que em todos esses escritos Henriette Binger está presente, especialmente em A Câmara Clara que, mais que uma reflexão sobre a fotografia, é, sobretudo, uma reflexão sobre a morte. Não por acaso Jacques Derrida em um emocionante ensaio intitulado As Mortes de Roland Barthes afirma que este, como nenhum outro livro “velou o seu autor”.

Disse um pouco antes que leio Diário de Luto homeopaticamente. Sinto que com isso prolongo a dor de Barthes e compreendo melhor a minha. Ele dizia que ler é pretender ser a obra. E eu digo que essa é a obra que eu gostaria de ter escrito.



 [Na foto,  Roland e Henriette, sua mãe]

Um comentário:

Dáfni disse...

Já estou anotando, para uma leitura futura!

Beijos