03 março, 2011

As bicicletas fantasmas



Quem passa pela avenida Paulista certamente já viu, na altura da Casper Líbero, uma bicicleta branca, inteiramente branca. Uma frase, "Márcia Vive", a acompanha.

A bicicleta branca é uma monumento à um ciclista assassinado pela violência motorizada e são várias espalhadas pelo mundo inteiro. No Brasil, elas aparecem em São Paulo e em Florianópolis.


As ghosts bikes, comos são conhecidas, são memoriais que devem (ou deveriam) lembrar a todos que passam que somos humanos, seres de carne, e que a fragilidade de nossos corpos é um contraponto à intensidade de nossas vontades. As bicicletas brancas são pequenos monumentos que gritam que, no choque entre um carro e uma bicicleta, o mais forte invariavelmente vence.

Esses marcos são como aquelas cruzes e oratórios nas beiras das estradas e rodovias, que circunscrevem o local geralmente de um acidente automobilístico transformando-o num território sagrado porque tocado pela morte. Deslocados do local em que normalmente se depositam os mortos, o cemitério, esses artefatos são emocionalmente poderosos, pois lembram repetidamente que a morte está entre nós, violentamente entre nós.

Sempre fui ciclista. Mas desde que cheguei a São Paulo deixei de ser, me limitando a pedalar em parques públicos em bicicletas alugadas. Sinto uma falta imensa de pedalar porque para mim pedalar e liberdade são palavras quase gêmeas.Porém tenho medo do dragão da maldade desse trânsito infernal de cada dia. E vendo imagens como as veiculadas nos últimos dias, em que um motorista insano literalmente passa por cima de ciclistas, não posso deixar de temer ainda mais. Temo a bárbarie que tem se tornado o trânsito, seja nos grandes centros urbanos, seja nas pequenas cidades.

Sim, porque muitas mortes de ciclistas ocorrem todos os dias nas pequenas cidades do Brasil. Eu cresci em uma e sei do que estou falando. Lembro do caso de uma família inteira assassinada enquanto pedalava.

Mas não é porque o medo me intimida que deixo de desejar ruas seguras para todos, menos carros, mais pedestres, mais ciclistas, ciclovias...

Desejar sobretudo que um dia eu possa dizer aos meus filhos: estão vendo aquela bicicleta branca? Ela é o símbolo de um tempo que não existe mais, em que os motoristas dos carros se achavam deuses apenas por estarem protegidos por quatro paredes de lata e fibra de vidro... Quem sabe até lá eu volte a ser ciclista e todos estaremos em cima de nossas bikes. Quem sabe quando esse dia chegar eu tenha conseguido convencer meu marido, ele também um ex-ciclista, a se livrar do carro.

Certamente para chegarmos a esse tão sonhado dia movimentos como o Massa Crítica e Bicicletada, além dos ciclistas não organizados, precisam de respeito, apoio e solidariedade.

E claro, justiça.







Direção das imagens:
1. Local não identificado
2.São Paulo
3.Chicago
4.Tucson
5.Londres

Um comentário:

Wilson Torres Nanini disse...

Moro em uma cidadezinha de cerca de 16 mil habitantes (contando a zona rural e dois distritos). Mesmo com parcas distâncias, as pessoas vão de carro até para a missa. Assim, isoladas em suas cápsulas, perdem maravilhosas oportunidades de trocarem figurinhas, receitas culinárias e de remédios caseiros, técnicas varias de socialização etc etc etc. Junte isso a uma série de outros fatores e vc terá como consequência um mundo repleto de intolerância, ou estou exagerando?

Essas oportunidades perdidas são como "um deus enterrado no deserto", não é mesmo?