20 fevereiro, 2007

a próposito de fiama








Brasil e Portugal não se conhecem, destarte os antigos laços coloniais, os esforços (às vezes controversos) da lusofonia, a poética de Camões, Cesário Verde e Pessoa, a prosa de Eça, Lobo Antunes (se tanto) e Saramago. Quem sabe por acanhamento nosso e deles, quem sabe por preconceito ou por ser a língua portuguesa uma ilha cercada simultaneamente de silêncios e vozes plurais e, claro, quase inacessível , o fato é que, a grosso modo, não nos conhecemos em contemporaneidade. De nossa parte, traduzimos os franceses, os americanos, lançamos olhares de paixão para esse nosso continente hispânico e recentemente, olhamos com interesse e desejo para o “Atlântico Negro”, para usar a expressão de Paul Giroy. Mas não nos voltamos para olhar, ler, traduzir (!) Portugal.

Talvez por isso, só hoje, quase um mês depois, é que eu soube da morte da poeta Fiama Hasse Pais Brandão. Fiama nasceu em Lisboa, em 1938, e faleceu na mesma cidade, dia 20 de janeiro de 2007. Dona de uma obra extensa e detentora de vários prêmios literários, escreveu entre outros Barcas Novas, (Este) Rosto e os Chapéus de Chuva (teatro). Tradutora de Antonin Artaud, John Updike, Tchekov, Fiama conquistou notoriedade na década de 60 do século XX com a publicação da revista Poesia 61 (que, por sua vez deu origem ao movimento literário homônimo).

Em maio de 2006, a revista Cult publicou seu poema Natureza Morta com Louva Deus em que diz:

Foi o último hospéde a sentar-se
no topo da mesa, já depois do martírio.
As asas magníficas haviam-lhe sido quebradas
por algum vento. Perdera o rumo
sobre a película cintilante de água
no riacho parado. Tal como poisou
junto de nós, com o belo corpo magro
arquejante, lembrava, ainda segundo o seu nome,
um santo mártir. Enquanto meditávamos,
a morte sobreveio, e a pequena criatura,
que viera partilhar a nossa mesa,
depois de ter sido banida das águas,
foi banida da terra. Alguém pegou
no volúvel alado corpo morto
abandonado sem nexo na brancura da toalha
– que maculava –
e o atirou para qualquer arbusto raro
que o poeta ainda pôde fotografar.

Talvez por sentir que a cada poeta morto, morro um pouco também, tenho sentimentos de cinzas nessa terça-feira de carnaval. Por Fiama, por Sophia de Mello Breyner, por essa inculta e bela poesia portuguesa. Mas sobre isso, que fale, ainda, Fiama, nesse jeito que os poetas têm de permanecer:

Tantos poetas morreram, em minha vida,
antes de mim, não só no sangue ou só na carne,
mas na portuguesa língua.
Deles fica a obra que fizeram.
Todavia vocábulos, para sempre
insonoros, ou no futuro incriados,
demonstram que os poetas todos
morrem sempre mais na língua.

5 comentários:

Anônimo disse...

nessa quarta feira passei por aqui e adorei,bjs
lele

Anônimo disse...

Pelo texto.
Primeira ve que estou comentando aqui. Sempre voltarei.
Amei o blog.
Nunca ouvi falar sobre fiama. Mas parece, parece não...escreve ebm.
Abraços

Corvo Torto disse...

Olá, desculpe-me a invasão.
minha primeira impressão quando entrei aqui foi. Ai velinha dando receita de bolo!
Ai não combinou bem ovelha pop com uma velinha!
Decidir ler!
é doce ser atravessado por punhais no fim dos parágrafos.
sou escritor e acho que doi quando se é atravessado por punhais no fim dos paragrafos.
Mas de inicio adorei a frase!
Também escrevo também tenho blogger!
Seus poemas... haa!
seus poemas! indescritiveis.
Dê graças a Deus por escrever coisas tão boas e puras! eu sou meio poema sujo tipo Ferreira Gullar.
Aff menino que não apra de falar...
www.gugaoliveira.blogpost.com
caso me visiste os
poemas estão nas paginas antigas.

Cibele Barzaghi disse...

Micheliny
Por fim resolvi minha crise, gostei da minha escolha para o blog e adorei como ficou a loja, que por sinal é igual ao seu blog novo.Mas se tiver algumas dicas eu aceito sim. Obrigada

Beijo

Cibele
www.ceudebrigadeiros.blogspot.com

Renata Wirthmann disse...

Micheliny, de fato reina um desconhecimento generalizado entre Brasil e Portugal, um isolamento. Só recentemente fui conhecer a obra, por exemplo, de António Ramos Rosa. O mesmo isolamento entre nós e os nossos vizinhos argentinos, ninguém, ninguém por aqui na ufg tinha ouvido falar de Roberto Juarroz.
Abço